Karl Marx faz muitas comparações entre materialismo e religião, para demonstrar a diferença entre a recolha de informação, ideia e acção na natureza; com ideia, acção na natureza e recolha de informação, é tempo de comparar o que dizem os nossos “pensadores” actuais, com os preceitos religiosos.
A leitura do Antigo Testamento, leva-nos até à história do povo de Israel, desde que lida ou mesmo estudada e compreendida dialecticamente, com o começo do estudo no Génesis (após o Capitulo 11, antes, é por ouvir contar) e terminando em Malaquias (o Novo Testamento, está fora de questão por falsificação, por vezes grosseira da história). Esta leitura e história de uma Nação, é no entanto, lida em partes específicas, previamente estudadas, e com aproveitamento ideológico oportunistico, por parte das diversas confissões cristãs, retirando dela “ensinamentos” de alienação dos seus fiéis.
O mesmo parece passar-se com os estudiosos e pensadores dos meios materialistas, marxistas, estudando o “O Capital” para dele, parece, só extraírem as passagens mais convenientes às suas teses, principalmente as que definem as classes sociais. Tese, que procuram envolver numa acção de vanguarda, produtores e complementares de serviços de organização de exploração pelo Capital (assalariados não produtores). Uma acção vanguardista, que torna, não impossível, mas de sobrevivência impossível, uma Revolução de caracter socialista, ou seja, uma revolução onde se possa fazer corresponder a produção social do capitalismo, a uma distribuição igualmente social, que no regime, é de apropriação privada. Transformam igualmente, a estrutura capitalista em sujeito da história, passando a classe produtora a meio manobrável para execução de transformação e aproveitamento da produção, retirando assim todo o protagonismo à verdadeira classe produtora: a classe operária. Ao retirar o lugar de sujeito ao produtor, a classe operária, transformando-a no objecto da sua ganância, a nova leitura do “O Capital”, dá um lugar secundário à Classe Operária, colocando-a ao nível dos restantes proletários e inviabilizando a Revolução, por ausência de sujeito produtor, que mantenha a sociedade. Notem esta preciosidade de André Guimarães Augusto, num estudo sobre sujeito histórico.
«Resumindo, o sujeito é aquele ente que se determina como tal na sua relação processual activa com o objecto. Nessa relação, o sujeito se objectifica por meio de sua actividade e subjectiva seu objecto em um processo contínuo. A determinação do sujeito é a de criador de novas objectividades; e, ao mesmo tempo, aquele que nega o objecto como “puro objecto” ao transformá-lo, ao se apropriar dele como seu objecto. Tal sujeito é o homem como ser genérico, social.»
Para logo de seguida….
«De todo modo, ao observar a inversão sujeito-objecto na produção capitalista, restaria ao trabalhador a mera posição de objecto do capital. Este, portanto, seria o verdadeiro sujeito histórico.»
Tudo isto, porque Karl Marx escreve:
“Do exposto, infere-se que todo capitalista individual, assim como o conjunto dos capitalistas de todo ramo particular de produção, participa da exploração da totalidade da classe trabalhadora pela totalidade do capital e do grau dessa exploração, não só por solidariedade geral de classe, mas também por interesse económico directo” (Marx, 2008, p.255).
Por este enunciado, uma corrente mais recente de seguidores de Marx, presume e interpreta, que toda a classe capitalista de um determinado ramo de produção, beneficia da exploração de todos os trabalhadores a ela ligados. No entanto, nesta interpretação há contradições anti dialécticas e que desdizem o próprio filósofo/economista (assim classifico o grande estudioso e pensador do século XIX), aliás, como o demonstra o próprio autor já citado, A.G.A. do estudo sobre o assunto, nesta sua passagem:
«Para além disso, como apontado anteriormente, o trabalhador produtivo é identificado por Marx como aquele que produz mais-valor independente do conteúdo de sua actividade — e não poderia ser de outra forma, uma vez que o trabalho assalariado é trabalho abstracto e é esta última determinação do trabalho que gera valor e, consequentemente, o valor em processo de auto expansão, capital.»
Passagem que, ela própria, é uma contradição em si. Correcta, até «…. conteúdo da sua actividade», para depois ser a sua própria negação. Mas vejamos, o que se passa num processo produtivo, de um determinado produto porque, só este processo, gera mais-valia, lucro, Capital, tudo o mais, é abstracto, ilusão de óptica, chamemos-lhe assim.
A natureza, não cobra sobre nenhum bem, seja matéria inanimada ou viva, mas como as coisas surgem no consumo com valor, é porque algo lhe dá esse valor, seja o de uso ou de troca: esse valor, é o trabalho, o esforço despendido para a transformação, de que o Homem se faz pagar, quer individualmente, quer como ser colectivo.
A soma de toda a paga do trabalho ao longo do processo, nas diversas etapas, desde a extracção à mãe terra, até ao acabamento final com deslocações, dá um valor a um determinado produto, mas, a exploração de que o produtor é vítima, é, directamente em cada etapa pelo capitalista seu proprietário, o que significa, que este, só beneficia da exploração a montante. Resumindo, p. ex., o capitalista da Mina, só beneficia da exploração dos operários extractores; o da Fundição e laminação, já beneficia dos extractores e dos ferreiros da sua Fundição; o da Serralharia, dos seus serralheiros, dos da Fundição e dos da Mina; e por diante, até ao negociante que monta as estruturas em ferro para o consumidor.
O produto, conforme cada etapa, vai ganhando um valor, o valor que no final se pode chamar de uso, mas que só é adquirido, mediante o valor que os capitalistas conseguirem da exploração dos seus operários, que na generalidade, é abaixo do valor de uso, embora em tempos de liberalismo económico e de cartelismo, possa ser superior: seja, o valor de troca, por influência das flutuações do mercado, dentro do ramo, assim como daquilo que têm de dividir com os capitalistas do sector não produtivo, onde se integram, todos os assalariados não produtivos. Nenhum assalariado não produtivo, cria mais-valia, nem mesmo um valor de uso; quanto muito, cria um valor de troca, ajuda à divisão da mais-valia pelos diversos capitalistas, e influência o consumo de todos: produtores, capitalistas e deles próprios. É explorado, por baixos salários, mas não por roubo de valor produzido, pois nisso, também beneficia do sobre produto realizado pelo operário.
Juntar no mesmo “pote” histórico, a classe produtora e a não produtora assalariada, para os levar a fazer a revolução socialista, como força una de vanguarda, é um erro oportunista, porque embora possível para o acto em si, torna depois impossível a sobrevivência da Revolução (Cuba e Portugal de 75, que já tinha uma CO considerável, mas insuficiente e ideologicamente fraca, são exemplos). Oportunista, porque um estudioso do marxismo, do materialismo histórico, um materialista dialéctico, tem a obrigação de saber, que uma passagem qualitativa, só se dará, quando estiverem reunidas as condições quantitativas que a isso conduzem, o que em termos sociais significa, que é a massiva produção social, que obriga à mudança das relações de produção, seja, a classe produtora, tem que ter a capacidade produtiva para o país em questão e, utilizar essa capacidade para a distribuir de maneira social.
Sem uma CO suficiente, o que vamos distribuir: os papéis bancários? Colocar os pratos vazios nas mesas dos restaurantes?, aliás, esta última questão, é o exemplo perfeito do que não deve ser feito em relação à consideração de colocar todos os proletários ao mesmo nível revolucionário. Sem cozinheiros e ajudantes de cozinha, nunca haveria trabalho no atendimento ao público nos restaurantes.
Esta questão, numa altura em que o Mundo tanto avançou em termos científicos, técnicos e populacionais, trás consigo uma série de outras questões pertinentes, com a mais flagrante: se agora considerarmos que não existe CO em número suficiente, como é possível em 1917, Lenine e o Partido bolchevique, terem feito a Revolução?
Duas respostas: uma, a revolução reuniu condições ideológicas devido ao caos que se instalaram em termos governativo e económicos na Rússia. E a segunda, que Lenine viu e bem que ainda não estavam reunidas as condições económicas e as sociais daí inerentes, para levar avante as transformações necessárias, voltando atrás, com uma nova politica económica, e poder desenvolver o país, tanto económica como ideologicamente e, só a meados da década de 20s, Estaline chegou à conclusão de que estariam reunidas as condições para voltar à politica económica socialista (e estariam?). Na Rússia é duvidoso, mas a Crimeia e a Ucrânia, tinham uma fortíssima classe produtora proletarizada na agricultura, o que poderá ter colmatado as falhas na Rússia.
E nos tempos actuais?
Nos países desenvolvidos, a introdução da máquina, da informática, do “saber como” na produção, aumentou esta, mas reduziu os intervenientes em termos percentuais, atirando a CO para o desemprego e para a sua extinção como classe produtora de bens e mais-valia, criando em simultâneo, classes não produtoras, mas de serviços e comerciantes. Este aumento da produção, reduziu os custos e consequentemente o valor de troca, mas em termos de valor de uso, ele mantêm-se, originando assim um aumento da acumulação do Capital, com uma diminuição da taxa de lucro.
Se o Planeta não tivesse a herança que os nossos antepassados medievais nos deixaram e a burguesia mantem, de uma divisão administrativa, independente, e fosse uno, poder-se-ia avançar para a Revolução. O país bem poderia ser um paraíso turístico, porque os camaradas operários coreanos, chineses, indianos, da Indonésia, ou os proletários agrícolas dos EUA, da Espanha ou da Argentina, nos sustentariam, a troco dos nossos serviços, mas assim divididos, não resta outra solução, se não criar as condições para a independência nacional, em termo económicos, e, para essa solução, não estão reunidas as tais condições de produção e, em consequência, as ideológicas.
Fazer a Revolução, tomar o poder politico e económico, transformar a economia. Construir mais fábricas (principalmente de meios de produção), aumentar a frota pesqueira, planear a produção, dar pleno emprego com a ajuda da redução do tempo de trabalho, e tudo o que correspondesse a adaptação de uma economia para o povo trabalhador, num mundo que nos rodeia, de burguesia, poder financeiro, de controlo da economia mundial por meia dúzia de “donos”, quem nos fornecia a matéria-prima e a quem vendíamos os excedentes? Com quem podíamos contar, se o proletariado não produtor, sente a miséria, mas não o roubo do seu produto? Terão esses proletários, a noção de que é necessário, mesmo numa economia socialista, produzir sobre produto, para poder alimentar, vestir e calçar, educar, sustentar a Saúde pública e a Justiça, transportar pessoas e mercadorias e tudo o mais que faz rolar um país?
Não. É utópico, pensar numa Revolução de cariz socialista, sem as condições mínimas, económicas e ideológicas, não antes, mas pós tomada do poder. O proletariado no seu conjunto, não tem condições para governar (pode ter para o assalto ao poder, mais não). Sem uma classe operária que sinta na pele a exploração, capaz de sustentar a parte não produtiva, pronta a distribuir os seus produtos excedentes pelos restantes proletários, não conseguimos. É necessário uma classe capaz de produzir o suficiente para o equilíbrio da balança comercial com o exterior e, essa, só pode ser conseguida com um desenvolvimento capitalista, sustentado e controlado, de concorrência estimuladora. Com capitalistas capazes de manter as portas abertas aos seus congéneres estrangeiros. Com um Partido, que entretanto, ajude a CO a tomar consciência, de que tem de se preparar para a tomada do poder, quando o seu quantitativo material e ideológico, quer no número de elementos, produção e restante proletariado, na luta com o seu contrário Capital, atingir a saturação.
Não se trata aqui, de fazer a apologia da conciliação de classes. Essa é impossível em termos práticos (só possível nos meios da chamada social democracia e na cabeça dos ignorantes). Trata-se dos conscientes da sua posição de classe, terem a noção da realidade objectiva, das possibilidades reais de êxito de uma Revolução. De saberem, não serem utilizados, mas utilizarem eles os capitalistas. Avançar para a Revolução, sem conhecimento do futuro, é aventureirismo ou oportunismo, com o intuito de trazer de volta as forças mais negras da exploração do Homem pelo homem. Portugal, e muitos mais países, recuaram em possibilidades de fazer a revolução com êxito. Não tem CO, nem proletariado com formação ideológica para tal. É necessário recomeçar, e agora, até com muitas mais dificuldades, devido à rápida introdução de meios técnicos que substituem o homem, possibilidades de crédito ao consumo que dá acesso a bens de aburguesamento e a uma intensa propaganda ideológica burguesa.
Marx e Engels, ensinaram-nos que o materialismo histórico, cientifico, tem uma sequência lógica, com base na economia, nas relações de produção que vão surgindo conforme o avanço tecnológico dos meios de produção: comuna primitiva » esclavagismo » feudalismo » capitalismo » socialismo/comunismo. Que essas mudanças, só foram conseguidas ou serão, quando a sociedade que finda deixa de corresponder às necessidades das classes exploradas: em Portugal e noutros países, chamados desenvolvidos, os novos meios e deslocação das classes produtoras, deixou de haver condições para a mudança. Temos de criar essas condições; sem isso, uma aventura revolucionária, estará condenada ao fracasso.
O sujeito da História, continua a ser o produtor. Qualquer tentativa de colocar o proletariado não produtor e o capital como tal, transformando a classe operária como sujeito subjectivado, é uma falsificação grosseira e oportunista da História, com intuitos de impedir ou derrotar a Revolução que transformará as sociedades a caminho da libertação, igualdade, felicidade e desenvolvimento material e moral do Homem.